segunda-feira, 10 de março de 2014

Perfeição

— Por quê?
— Porque não.
— Por que não?
Ela suspirou e virou-lhe as costas.
— É uma história muito longa.
Ele deu um passo adiante.
— Eu tenho todo o tempo que precisar. Nada no mundo é mais importante do que esta conversa.
— Nem mesmo eu?
Ela virou-se de novo e os dois passaram um bom tempo se encarando, olho no olho. O som das ondas se chocando com a areia preenchia o silêncio naquele fim de tarde. Certamente aquele era o lugar perfeito para passar um tempo com a namorada, o sol poente sendo a única testemunha do amor do casal. Ele sabia disso, e isso piorava tudo.
Os olhos dela marejaram, mas conteve as lágrimas.
— Você é o motivo de essa conversa ser tão importante. — Ele estava sendo sincero, como sempre fora.
Ela virou-lhe as costas mais uma vez e deu três passos trêmulos.
— Entendeu? Nunca daria certo.
— Mas por quê? O que há de errado? O que nos impede de ser feliz juntos?
— Tudo! — Ela tornou a encará-lo. — Você, eu, nossas escolhas…
Ele correu em sua direção e a tomou nos braços.
— Eu escolho você! Tudo o que eu sempre quis na vida encontrei em você, como pode haver algo de errado nisso?
Novamente, o contato visual profundo demonstrou a emoção que sentiam naquele momento. Ele tinha certeza que ela mudaria de opinião; ela, que ele entenderia.
— Como pode não perceber? — Ela se livrou de seu abraço e, em seu lugar, abraçou a si mesma, como se sentisse falta do aperto.
— Perceber o quê? Você não me ama?
Dessa vez ela não pôde segurar as lágrimas. Ele já não precisava de resposta, mas ela a deu de qualquer jeito, sussurrando, quase inaudível:
— Amo. Amo como nunca amei em minha vida. Amo como as ondas amam a praia. Eu queria poder te beijar como as ondas beijam a praia, mas…
— Mas, nada! — Ele a interrompeu, também sussurrando, e a envolveu, como só ele sabe. Com a palma da mão, acariciou o rosto dela devagar, e ela acompanhou o movimento, os olhos fechados, um meio sorriso. Ele aproximou sua boca da dela. Estavam tão próximos que podiam sentir o hálito um do outro. Ninguém, a não ser o sol poente, era testemunha desse momento.
Antes que seus lábios se tocassem, ela o empurrou levemente e recuou. Chorava como se sentisse dores terríveis e olhava o rosto descrente dele.
— Por quê? — Ele perguntou. — Se você me ama, por que, então, me recusa? O que há de errado comigo? O QUE HÁ DE ERRADO COMIGO?
Lágrimas rolavam dos dois pares de olhos. Lágrimas de amor e de dor; de alegria e de tristeza; de certeza e de dúvida.
Como se estivesse ironizando de seu grito, ela sussurrou:
— Não há nada de errado com você, esse é o problema. Você é perfeito demais, eu não te mereço. Nunca me sentiria feliz sabendo que tenho mais do que devo. Prefiro sofrer pela distância a sofrer por dentro.
Ela então sacou um revólver e disparou contra ele.
Apesar de tudo o que ela disse, ele ainda não podia compreender a atitude dela. Aquilo tudo não fazia o menor sentido.
O projétil saía do cano da arma.
Nunca ouvira falar num caso semelhante; nunca pensara que perfeição pudesse arruinar um amor tão puro e verdadeiro quanto o deles.
Dois metros o separavam da bala.
Mas ele não era perfeito, pelo contrário. Errara tanto ou até mais do que os outros, e se arrependia profundamente de sua falta de sabedoria.
Um metro.
Por isso ele buscava a perfeição, não para ser perfeito, pois sabia ser impossível, mas para ser melhor, para si e para os outros.
Meio metro.
Principalmente, ser melhor para ela, que por muito tempo foi tudo para ele. Sonhava com o futuro ao lado dela, e tinha certeza de que, se ele não pudesse ser perfeito, pelo menos o futuro o seria, e com isso a vida deles seria plena.

.     .     .


Desejou que o projétil que imaginara fosse real. Pelo menos com a morte a dor passaria, e não precisaria se lembrar de quando ela foi embora, chorando, e o deixou lá, parado, sozinho, agonizando um amor que seria tudo, mas nunca fora. O som das ondas se chocando com a areia preenchia o silêncio naquele fim de tarde. Aquele ainda era o lugar perfeito para passar um tempo com a namorada, o sol poente sendo a única testemunha do amor do casal. Ele sabia disso, e isso piorava tudo.

Wagner Cerqueira
Salvador/BA

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